Sobre Auto-cobrança e o sentimento de Solidão/Solitude

Como alguns aqui já sabem, tenho duas irmãs que não moram na mesma cidade que eu. Então, normalmente nas férias nos encontramos e, quando os filhos permitem, conseguimos ter metade de alguma conversa aprofundada sobre temas variados, tudo ao mesmo tempo e sem concluir nada. Mais ou menos assim.

E, em uma dessas conversas com uma delas, falamos sobre estar só mesmo que acompanhada, isto é, ter a sensação de estar sozinha, mesmo rodeada por pessoas (até interessantes) ou estar sozinha, sem ninguém ao lado. Para ela, estar sozinha significava estar distante das pessoas que ela ama.

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Contextualizando, essa minha irmã mais velha é divorciada, tem um filho de 4 anos e mora em São Paulo, diga-se: zero família (dela) por perto. As quatro mulheres da família são pernambucanas, mas temos poucos familiares em Pernambuco. Estão todos pulverizados pelo Brasil e pelo mundo, mas em Fortaleza moramos minha mãe, meu pai e eu. Além de alguns primos e tios paternos que temos pouco contato.

Depois dessa conversa e de outra que tive com minha irmã do meio, me veio em mente dois questionamentos:  empatia versus expectativas (tema para um próximo texto) e a diferença entre solidão e solitude. Vou explicar melhor.

Minha irmã disse que, caso ela passasse a esperar a atitude da outra pessoa (o tempo do outro), poderia ser que isso causasse mais distanciamento e um consequente sentimento de solidão. Foi aí que refletimos sobre a diferença entre a solidão e a solitude (não com esses nomes, no momento da conversa).

Pesquisando despretensiosamente na internet encontrei essa diferença no site fãs da psicanálise (clique aqui): “Citação do teólogo alemão, Paul Tillich, no livro The Eternal Now, O Eterno Agora: ‘A linguagem (…) criou a palavra solidão para expressão a dor de estar sozinho. E criou a palavra solitude para expressar a glória de estar sozinho”. Em inglês: “Language… has created the word ‘loneliness’ to express the pain of being alone. And it has created the word ‘solitude’ to express the glory of being alone’.”

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Então surge a reflexão:

Qual o tipo de companhia que quero ter ao meu lado? Por que será tão difícil estar sozinha (solitude)?

Eu tenho dado muita importância às pessoas que querem ouvir, verdadeiramente, o que digo e tenho buscado, não só dentro do consultório, exercer esse tipo de escuta. Sabe aquela presença consciente? Essa é uma das características que mais me encanta nas pessoas: uma escuta atenta e acolhedora. Eu já me vi, muitas vezes, falando, falando, falando, naquele forte desejo que o outro se interessasse pelo que eu digo. Eu queria (desesperadamente) que as pessoas gostassem do que eu estava dizendo e, consequentemente, me amassem. Para isso, eu tentava agradar a gregos e troianos.

Meus quatro anos de experiência como professora universitária me mostrou (de forma nua e crua) que, muitas vezes, as pessoas não vão estar nem aí para o que eu tenho a dizer. Na época, isso me deixava muito frustrada. Eu passava horas estudando, preparando aula, pensando em mil coisas diferentes para favorecer o aprendizado e, na hora H: cri, cri, cri (isto é, três pessoas, de uma turma de quase cinquenta, havia lido o texto). Hoje eu consigo visualizar que só me ouvia quem tinha disponibilidade para isso. Quem não tinha, não adiantava eu virar o bobo da corte, simplesmente não iria se importar.

E por que que minha fala tinha que ser tão importante e validada por todos? (Ah, Carol! No caso dos alunos, devido às notas, para passar na disciplina, etc). Ok! Mas não é desse tipo de escuta obrigatória que estou falando. Me refiro a uma escuta genuína. Onde o outro realmente se interessa pelo que você está dizendo. Onde você não se sente sozinho estando acompanhado. Percebi que meu olhar estava muito mais voltado para o que o outro queria (e validava) do que para o que eu queria.

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Eu sei, pelos meus estudos (e pela vida) que gente precisa de gente. Não somos auto-suficientes, mas também não é interessante sermos dependentes dos outros. Por exemplo, hoje em dia, é muito comum nos sentirmos completamente sozinhos (solidão) mesmo tendo 2 mil amigos ou seguidores nos ambientes virtuais. A ansiosa espera pelas curtidas nos desconecta das nossas reais necessidades e do nosso ritmo próprio de vida. Sabe aquele sonho de estar correndo dentro da água e não conseguir sair do lugar apesar de se sentir exausto? Pois é mais ou menos assim que funciona quando não nos permitimos a solitude, por acharmos que a presença (mesmo sendo aquela presença ausente) do outro é mais importante que a nossa.

E por que será então tão difícil estar sozinho? Aí que entra a danada da auto-cobrança. Quando estou só e não tenho o olhar (julgamento) do outro, eu tenho o meu olhar. Só que, muitas vezes, somos algozes muito mais ferozes de nós mesmos do que os outros. Então dói olhar! Dói olhar para dentro e suportar o peso da auto-cobrança. E o mais preocupante é que essa auto-cobrança não usa como filtro as nossas reais necessidades, o filtro é o que os outros dizem que tem que…, deveria ser…, deveria ter… Como hoje em dia tempo é dinheiro, e quem não é visto não é lembrado (afinal, quem quer ser esquecido?), tendemos a nos dividir em mil, a tentar desempenhar inúmeras funções ao mesmo tempo e, é claro, a estar constantemente insatisfeitos. Por quê? Simplesmente porque a nossa necessidade real não foi satisfeita. Na verdade, não foi nem ouvida, quanto mais contemplada.

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Enfim, mesmo sem conseguir finalizar nenhuma conversas (devido à interrupções do tipo: “manhê! O Rafa me mordeu”, “Manhê!! Posso assistir TV? Manhêêêê, eu amo você! Manhêê! Eu tô com fome!!!”), essas curtas reflexões nos serviram para repensar no alto nível de expectativa que estávamos colocando uma em cima da outra e em nós mesmas.

Então, a reflexão que deixo aqui é a seguinte: o que você faz antes de pisar no (teu) freio ao perceber que precisa desacelerar e respeitar o teu tempo, o teu ritmo?

Caroline Vieira – psicóloga (CRP 11/05090)

@psicoterapiadecasal

 

(fotografia Ana Melo)