Quando você desiste de você?

O que precisa acontecer para você desistir de você? Quando digo em desistir, não estou falando de situações extremas quando surge o desejo de retirar a própria vida. Estou falando sobre doses homeopáticas de desistências no dia-a-dia.

O que precisa acontecer pra você comer de forma menos saudável do que você acredita, pelas informações que já tem, que seria o ideal pra você?

O que precisa acontecer (ou não) para que você desista daquele projeto que tinha absolutamente tudo a ver contigo, mas você, “do nada“, caiu fora?

O que precisa acontecer para você agir de maneira impulsiva e usar o cartão de crédito, mesmo sabendo que o dinheiro está curto, que muitas dívidas ainda precisam ser pagas, mas, mesmo assim, fingindo que não é com você, que aquilo não vai atingir teus planos futuros, você vai lá e faz aquela compra desnecessária?

O que precisa acontecer para você deixar de nutrir tua rede de apoio que é tão valiosa pra você?

O que precisa acontecer para você perder duas horas do teu dia (mega corrido) nas redes sociais, ao invés de dormir e descansar, tomar um banho mais gostoso ou fazer outras coisas que te dariam um prazer enorme e ainda te tornaria uma pessoa melhor?

O que precisa acontecer para você deixar de lado os exercícios físicos, sejam eles quais forem e na frequência que forem, que te dariam uma energia maravilhosa, te deixaria mais disposta(o), com um humor melhor e ainda mais saudável?

O que precisa acontecer para você “ir levando“ uma relação amorosa fria, onde não existe mais tesão, nem química, apenas uma boa convivência e o sentimento de amor fraterno?

O que precisa acontecer para você amanhecer emburrada(o) e assim permanecer durante todo dia, sem ao menos se questionar o que está te deixando insatisfeita(o)?

O que precisa acontecer para você não olhar para os seus desejos, para as suas necessidades, para as suas habilidades e disponibilidades?

Existe sim, um gatilho. Esse gatilho é diferente para cada um(a) de nós, mas precisamos descobrir os nossos e, assim ficarmos atentos(as). Às vezes, é uma preocupação excessiva com o que os outros vão pensar, outras vezes, uma forte sensação de indestrutibilidade. O sentimento de culpa também aparece com bastante frequência. Com a culpa vem a aceitação do sofrimento e da frustração. Um “É. Eu não merecia tanto mesmo!”

São tantas possibilidades. A autossabotagem vem para cada um(a) de forma muito individual, por isso precisamos estar atentos. Tem dias que estamos mais disponíveis para alguns cuidados, e outros, nem tanto. Isso é perfeitamente esperado, porque não somos robôs. Não é sobre isso que estou falando. Estou falando sobre aqueles momentos que, por exemplo, falamos sem nos questionar se poderíamos estar magoando alguém, pois estamos autocentrados demais e acreditamos ter a verdade absoluta sobre alguma coisa. Ou, outros momentos em que traímos a confiança de alguém, tendo a consciência de que não deveríamos ter escolhido tomar aquela atitude ou ter dito aquela mentira. Enfim, onde, no fundo, sabemos que ultrapassamos os limites e as consequências serão, provavelmente, desastrosas.

Sim, não somos robôs, não somos perfeitos e, muitas vezes, não somos coerentes. Mas, se estamos sempre em busca da felicidade e, dizem, que ela vem vinculada com a congruência, conseguir distinguir o momento em que nossas atitudes e nossos sentimentos estão em sintonia, e quando não, isto é, quando estamos funcionando de maneira incoerente, se torna fundamental. Não para deixarmos completamente de ser incoerentes, mas, sim, para percebermos quando fazemos isso e, assim, conseguirmos voltar para os trilhos.

Caroline Vieira

Psicologa CRP11/05090

Livre estou

Vocês já perceberam como uma mesma coisa pode ser capaz de nos afetar de forma diferente dependendo do nosso momento de vida?

Hoje fui a um parque com meus filhos e, ao final, teve uma apresentação com alguns personagens da Disney. E claro, a Elsa estava presente. Eu sou conhecida por me emocionar (muito!) nesse tipo de apresentação. De inclusive chorar, mesmo que a personagem tenha se apresentado errado, a roupa esteja desengonçada ou na apresentação da baleia Shamu, não interessa, eu me desmancho, me emociono profundamente.

Da primeira vez que assisti ao filme “Frozen – Uma Aventura Congelante”, me acabei de chorar com a música que a Anna canta para Elsa. Aquela “você quer brincar na neve?” (Já estou eu aqui com os olhos cheios d’água). Eu chorava de soluçar e meu marido ao meu lado ficava me acolhendo e rindo ao mesmo tempo. Porque realmente era muito desproporcional. Mas não era. Mexia com uma ferida minha, que eu nunca tinha “limpado” e aquelas lágrimas estavam limpando.

Em 2005, morei 6 meses na Alemanha. Nesse mesmo período, minha irmã do meio, foi trabalhar nos Estados Unidos e, depois disso, nós nunca mais moramos juntas. Eu tinha 23 e ela 24 anos. Temos menos de 1 ano de idade de diferença. Desde que nascemos, dormíamos juntas no mesmo quarto. Detalhe: de mãos dadas. A mesa que ficava entre as camas era nosso apoio. E uma só podia soltar a mão da outra se, ao apertarmos levemente a mão da outra, essa não apertasse de volta. Assim, sim. Podia retirar a mão (provavelmente já dormente), caso contrário, não.

Sempre fomos muito (muito) próximas. E, antes de ir para os Estados Unidos, lembro que ela me falou em uma conversa, quando eu já morava na Alemanha, assim: “eu não sei se vou…” e eu perguntei o porquê, qual era a dúvida? E ela disse “mas e vc?!”. Eu ri e disse que estaríamos juntas onde quer que eu fosse, ou ela.

Aí eu assisti ao filme Frozen. Foi lançado, no Brasil, em janeiro de 2014. Momento em que eu estava grávida do meu primeiro filho. Os hormônios ajudaram a destapar o esgoto de emoções reprimidas, porque até ali, o que estava em questão era a felicidade dela e não nossa saudade. Como diziam personagens, grandes amigas, em um dos seriados mais significativos da minha vida, Friends, “era o fim de uma era!”, mas eu não sofri por esse fim da forma que ele merecia, em outras palavras, não elaborei esse luto. Pois bem, aí veio o filme com aquelas cenas emocionantes da Anna cantando, no pé da porta fechada, para a irmã. Pedindo para Elsa sair para elas brincarem juntas… lá vem o choro de novo… mais ou menos assim:

“Você quer brincar na neve?

Um boneco quer fazer?

Você podia me ouvir e a porta abrir

Eu quero só te ver

Nós éramos amigas de coração

Mas isso acabou também

Você quer brincar na neve?

Não tem que ser com um boneco

(Vai embora, Anna)

Tudo bem

Você quer brincar na neve?

De alguma coisa que eu não sei?

Faz tempo que eu não vejo mais ninguém

Até com os quadros nas paredes já falei

“Firme aí, Joana?”

É meio solitário, tão vazio assim

Só vendo o relógio andar

Elsa?

Por favor, me escuta

Todos perguntam sem parar

E me encorajam para te dizer

Mas espero por você

Me deixa entrar

Só temos uma a outra, o que vamos fazer?

Temos que decidir

Você quer brincar na neve?”

Depois que ela, diga-se minha Elsa, foi embora e eu voltei da Alemanha, tive que lidar com um rompimento de uma relação amorosa super longa, com a separação (bastante desejada) dos meus pais, com mudanças de vida muito profundas… sem ela por perto.

Mas encontrei outros suportes. E saber que ela estava se encontrando enquanto pessoa, que estava sendo bom para ela, me dava forças para seguir em frente aqui, em Fortaleza.

Aí chegamos ao ano de 2018. Agora eu já com dois filhos, ela também, e estávamos na Disney para comemorar o aniversário dela. Fomos assistir à apresentação da Frozen. Eu não chorei! Milagre! Quer dizer, só no finalzinho, e depois, quando fui contar como me senti para ela, minha irmã, minha Elsa. Que, a partir daquele momento, deixava de ser a Elsa e eu tomava o seu lugar. Eu explico.

A letra que mais me tocou na Disney, e hoje na apresentação no parque, foi a da famosa música “livre estou”, título desse texto por um motivo muito forte. Destaquei alguns trechos:

“(…) Um reino de isolamento e a rainha está aqui

A tempestade vem chegando e já não sei

Não consegui conter, bem que eu tentei

Não podem vir, não podem ver

Sempre a boa menina deve ser

Encobrir, não sentir, nunca saberão

Mas agora vão

Livre estou, livre estou

Não posso mais segurar

Livre estou, livre estou

Eu saí pra não voltar

Não me importa o que vão falar

Tempestade vem

O frio não vai mesmo me incomodar

De longe tudo muda

Parece ser bem menor

Os medos que me controlavam

Não vejo ao meu redor

É hora de experimentar

Os meus limites vou testar

A liberdade veio enfim

Pra mim

Livre estou, livre estou

Com o céu e o vento andar

Livre estou, livre estou

Não vão me ver chorar

Aqui estou eu

E vou ficar

Tempestade vem

O meu poder envolve o ar e vai ao chão

Da minha alma flui em fractais de gelo em profusão

Um pensamento se transforma em cristais

Não vou me arrepender do que ficou pra trás

Livre estou, livre estou

Com o sol vou me levantar

Livre estou, livre estou

É tempo de mudar

Aqui estou eu

Vendo a luz brilhar

Tempestade vem

O frio não vai mesmo me incomodar”

Para mim, fala de potência! De aceitar seus poderes e utilizá-los. Não fingir que eles não existem para ser a “boa moça” que esperam que você seja. Os limites são expandidos quando escuto meus poderes, meus medos, minhas habilidades e as coloco em prática, em funcionamento. E quantos poderes nós temos!

Minha princesa que não se chama de Elsa, nem Anna, e sim Sarah, foi, é e sempre será um dos vínculos mais fortes e poderosos que já tive em toda minha vida. Quando me pergunto o porquê, (questionamento raro de ser feito porque a resposta é óbvia para mim) eu entendo que é pelo “simples” fato que eu poder ser eu (completamente) ao lado dela, e dela poder ser completamente ela ao meu, e como isso é valiosíssimo na vida de qualquer ser humano. Sem julgamentos, com interesse, com amor e cuidado, com empolgação, admiração e confiança.

Será tão raro assim tal amor? Se a resposta for positiva, por quê? Por que nosso amor vem, na grande maioria das vezes, acompanhando de mil expectativas, posse, controle? Vejo com isso que perdemos a parte mais linda do outro: sua alteridade. O novo que nos alimenta, nos encanta e onde toda a química acontece. Isso! O tesão, o desejo, ele se sustenta nessa diferença, no desconhecido que o outro nos traz. Seja nas relações amorosas erótica, seja nas relações amorosas de amizade ou familiar. São químicas diferentes, com toda certeza, mas a energia, a força daquela relação é muito semelhante. Quando permito que o outro seja, acompanho, me importo, não julgo, me interesso (deixando claro que todos têm sua própria forma de demonstrar isso), estou construindo um vínculo que se tornará extremamente forte com a passar dos anos. Mas se, pelo contrário, apago o outro, sua individualidade, suas habilidades e seu mundo privado, estou, em doses homeopáticas, contrário ao meu desejo, desconstruindo essa relação.

Caroline Vieira, psicóloga (CRP11/5090)