Sobre amor, a maternidade e suas vendas

Você já assistiram ao filme “Bird Box” produzido pela Netflix que tem a Sandra Bullock como atriz principal? Ele foi lançado em dezembro de 2018 e me atingiu em cheio!

Eu não conseguia entender porque ele tinha sido tão forte para mim. Só sei que, ao assisti-lo, eu não parava quieta no sofá, ansiosa e com uma intensa compreensão empática com relação ao contexto que a atriz principal vivia… Mas como assim? Eu vivo em uma cidade onde tem comida e bebida em qualquer parte por onde vou, nem todos estão se matando (tenho uma segurança relativa no dia-a-dia), e eu não preciso manter meus olhos e os dos meus filhos o tempo todo fechados porque se não poderá acontecer uma tragédia. Porque será, então, tamanha identificação com o filme, enquanto muitas pessoas o detestaram ou o acharam completamente sem pé nem cabeça?

Me lembro que no dia em que assisti, eu senti uma necessidade de conversar enlouquecidamente! Numa tentativa de organizar todas informações dentro de mim. Hoje me veio novamente aquela sensação que tive no filme.

Passei um final-de-semana relaxante na praia com minha família comemorando os dois aninhos de vida do meu filho caçula. O dia se estendeu, alguns quiseram ficar mais uma noite, mas, para mim, não seria possível, pois iria trabalhar na segunda pela manhã e meu filho mais velho teria aula. Resolvi voltar sozinha para casa com ele. Como o meu marido estava de férias, ficaria com o meu caçula até o dia seguinte na praia. Fui seguindo um casal de amigos até determinada parte do caminho. Dali em diante, com meu “gatão”, como o chamo, já dormindo no banco de trás, na cadeirinha, completamente seguro, segui sozinha. Entrei numa rua que não costumava entrar que, devido às chuvas, estava completamente esburacada. Diminui a velocidade e pedi a Deus que me protegesse, pois, se alguém decidisse nos assaltar, aquela situação estava totalmente propícia ao ato. Prendi a respiração e segui. Carro balançando pra lá e pra cá, assim como a mãe naquela canoa com seus filhos no rio, no filme. Finalmente cheguei em casa. Meu gatão dormindo. Me preparei para levar apenas o que iria precisar naquela noite, para conseguir levar meu rapazinho adormecido nos braços. Ao tirá-lo da cadeirinha, chaves penduradas no short de forma que desse para ligar o alarme do carro e abrir a porta da casa, sem tirá-lo dos meus braços. Finalmente entramos em casa. Apesar de estarmos nos mudando de apartamento e, temporariamente, estarmos contando com o apoio da casa da minha mãe, o coloquei para deitar na cama dela, quentinha, segura, limpinha, com seu pijama de foguetes, alimentado e feliz sonhando com toda diversão dos dias anteriores. Mesmo assim, ao deixá-lo na cama, corro para a porta para ver se está tudo fechado, penso em tudo para o dia seguinte, antes de conseguir ir tomar um banho relaxante…

Nesse momento, me prendendo um pouco nos ambientes virtuais, nas lutas feministas, em mais e mais notícias de feminicídios pelo país e pelo mundo, na repercussão da copa do mundo feminina, me lembro de tantas outras mães, próximas de mim ou não, que precisam, sim, colocar as vendas em si mesmas e em seus filhos, todos os dias, para sobreviver.

Como as mães solteiras, como minha irmã mais velha, que cuida do seu filho todos os dias, saudável ou doente, sorrindo ou chateada, não importa. Mãe não tem opção de pedir um tempinho “para relaxar”, não é mesmo? Por que decidiu ser mãe, então? Porém, graças a Deus, ela não passa necessidades financeiras, mas e aquelas mães que passam? Como minha tia, nascida no interior de Pernambuco, que vai completar 80 anos ano que vem, e nos contou, na última visita dela a nossa casa, que seu primeiro marido a deixou com dois filhos pequenos. Na verdade, a segunda filha ainda estava na barriga quando ele foi tentar a vida em São Paulo e acabou formando outra família por lá… Minha tia teve que se virar para sustentar meus primos. Depois se envolveu com outro homem que também a deixou com um filho pequeno e só voltou quando ele já tinha por volta dos 13 anos.

Somos, sim, mães que precisam fechar os olhos para um monte de coisas, “trincar os dentes” e seguir sem rumo ou sem saber como vai terminar o dia no dia seguinte. Quando vejo as crianças em situação de rua, quando passam aquelas notícias terríveis no jornal, quero fechar os olhos dos meus filhos para que eles não sofram e não percam a inocência tão cedo.

Hoje meu mais velho perguntou: “mãe, você gosta de cuidar de mim?” E eu disse:”eu amo cuidar de você, meu amor!” E ele continuou: “nem todas as mamães gostam de cuidar dos seus filhos, não é?”. E eu disse: “verdade, meu amor. Nem todas gostam, mas muitas gostam.” E ele confirmou. Eu poderia florear o mundo e dizer, como eu sempre ouvi, “todas as mamães amam ser mamães, nasceram para isso, e ser mãe é o grande objetivo delas”. Eu gostaria, muitas vezes, de dizer meias verdades para ele continuar acreditando que o mundo só tem pessoas boas e tudo só tem final feliz, mas eu sei que não estaria ajudando no desenvolvimento dele fazendo isso, pelo contrário. Ele já me perguntou sobre a morte, se eu ia morrer, já falamos sobre o peixinho que morreu (e não fingimos que nada tinha acontecido), ele já chorou de saudades do amiguinho-peixe. Isso gerou muita curiosidade sobre a vida, sobre tudo que chega e que irá embora da vida dele e que por isso, precisamos aproveitar bem os momentos.

Depois de todas essas reflexões, aparentemente aleatórias, eu refaço minha afirmação de que não preciso andar vendada. Muitas vezes, para levantar no dia seguinte, precisamos respirar e acreditar que aquele dia será bem melhor que o anterior. Ter esperança, fé, pensamento positivo, ou qualquer coisa nesse sentido.

As mães estão adoecendo. As mães estão morrendo. Suas dores são várias. Seu sofrimento pode ser diferente do sofrimento de outras mães, mas sejamos empáticas. Vivemos numa sociedade que não costuma olhar para as mães com o cuidado devido e de forma justa… quantas vezes ouvi mulheres dizendo que evitam contratar mulheres por serem menos produtivas na empresa (devido aos filhos) do que os homens. Onde fica nossa sororidade? Pais que têm filhos e, após a separação, “somem” (pagam apenas pensão e acreditam que estão contemplando a função de pai), não fazem seu papel. Todas as decisões e consequências são sentidas pela mãe. Essa mesma mãe que trabalha o dia todo, faz supermercado, cuida da casa e ainda tenta ser criativa e paciente com cada fase de desenvolvimento do seu filho.

Não é fácil! Não é mesmo! Mas vai melhorar, acredite! Vai melhorar! Busquemos nossa rede de apoio (que não precisa ser a família de sangue, construímos excelentes redes de apoio de amigos também) que é fundamental para nossa saúde mental.

Não espere adoecer! Cuide-se! Assim como quando a atriz chega no Lar de Cegos. Ela encontra sua obstetra que a acolhe e diz para ela descansar um pouco, puxa seus filhos para brincar com ela e outras crianças e logo chega uma outra mulher com toalhas e roupas limpas. De repente, ela olha para cima, escuta o canto dos pássaros, respira e, finalmente, sente-se segura e amada. Cuide-se.

Caroline Vieira

Psicóloga (CRP11/05090)

Sobre a “agenda lotada” e a culpa pelos momentos livres

{reflexão} .

💌Hoje em dia, não para de aparecer propaganda por aqui ensinando como “não perder tempo”, porque “tempo é dinheiro”, quem “não aparece não é lembrado”, e ainda, “como fazer para ter a agenda lotada”. Vários profissionais apresentam quase que uma fórmula secreta para que você aguente mais tempo trabalhando, até tarde (como estou fazendo agora), sem desconectar-se, isto é, 24 horas no ar! .

💌O lazer não tem espaço. Pelo contrário, ele é visto, por muitos, como algo feio, preguiça, ou algo do tipo “aahhh! Quem não quer trabalhar dia de sábado é folgado e não quer ganhar dinheiro de verdade”. Precisamos aceitar tudo, sem limite e sem espaço para saborear o ócio. Eu lembro que sempre dizia, cheia de razão, que “eu vou trabalhar para viver e não viver para trabalhar!” Porém, um dia desses parei, olhei para mim, e me vi correndo de um lado para o outro apenas trabalhando o dia todo! No consultório ou em casa com meus filhos, não se tinha tempo para o nada, tínhamos a “agenda lotada”. Sem tempo para ler, nem para escrever, sem tempo para pensar, muito menos para contemplar. Sem tempo para parar e conversar com uma amiga querida, sempre impaciente, com todas energias focadas no trabalho e nos filhos. .

💌Até um dia que meu filho mais velho me perguntou: “mamãe, hoje vou só para escola?”, e eu disse que sim, que era sexta. Ele gritou: “urruull! Mamãe, vamos brincar?” Os filhos tem esse dom de dar um belo soco no seu estômago sem nem perceber, não é mesmo? . 💌Comecei a me questionar onde me perdi na minha ideia de trabalhar para viver e não o contrário. E comecei a priorizar minha nutrição de forma mais ampla. Trabalho e filhos são importantes, e muito! Mas o abrir espaço para o NADA, para a contemplação, é fundamental para nossa saúde integral. .

💌O que você tem priorizado para você? Milhões de postagens, para “não ser esquecido”? “Produzir conteúdo” e ter milhões de curtidas? “Cronograma de postagens”? E o seu ritmo? E o seu fluir natural? E a qualidade do que é feito e não a quantidade? Para onde vai tudo isso se o foco for “lotar a agenda”, ou lotar a timeline do seu cliente para ser sempre lembrado? 💌Vamos refletir sobre isso?