A ausência também é um ATO de amor

Como sou psicóloga, é comum que pessoas da minha família me procurem na ilusão de que tenho respostas prontas para todas as dúvidas sobre como devem se comportar em situações de crise. Um dia desses, minha prima falou a seguinte frase: “Mas Carol, eu não sei o que eu falo para ela [uma amiga]! Me diz aí, vai? Tu que és psicóloga.” Somos movidos a resolver problemas. Isso já foi comprovado em laboratório, certo? A Psicologia da Gestalt demonstrou que sentimos a necessidade de, da forma mais simples possível, “fechar a Gestalt” (Gestalt é uma palavrinha em alemão que significa configuração, mas não só isso, por isso que ela não foi traduzida – falo mais sobre esse assunto em outro texto).

Por existir essa necessidade, acreditamos que devemos fazer o mesmo com o outro. Se o outro me procura, eu PRECISO resolver o problema DELE. Pois eu te digo: NÃO, NÃO PRECISAMOS. Às vezes, a pessoa só busca um pouco de conforto e ser ouvida com atenção e “presença reservada”, como diz Beatriz Cardella. Em seu livro “De volta para casa” (maravilhoso, por sinal), Bia (toda íntima, né?) faz uma diferenciação entre a PRESENÇA IMPLICADA e PRESENÇA RESERVADA. Diz que “os excessos de presença desconfirmam, desqualificam, despotencializam, desresponsabilizam, e reduzem o outro. Onde há presença excessiva de um, o outro ‘desaparece’”.

Hoje, consigo ver como a ausência é também uma “prova” de amor. Por exemplo, nesse Natal, quem conseguiu se desfazer de seus planos de um ano inteiro devido o COVID-19, pôde demonstrar como ama e cuida dos seus entes queridos. Num país onde já morreram mais de 200 mil devido ao coronavírus e que está em plena segunda onda (ainda pior que a primeira), conseguir cancelar tudo é uma demonstração de humanidade. Um cuidado consigo mesmo, com seus familiares e com a sociedade em geral. Tenho várias amigas que ficaram em casa sozinhas nas festas de final de ano, “simplesmente” por cuidado. E porque, mesmo sendo difícil, era possível para elas (porque sei que nem todos podem, não entendam minha escrita como um julgamento – não estou aqui para isso, ok?).

Um outro exemplo de prova de amor por meio da ausência, é quando você deixa de mandar aquela mensagem melosa, mas sem nenhum interesse, para um ex-namorado que já demonstrou ainda ter uma quedinha por você e, além do mais, sabendo que ele tem uma namorada ciumenta. Mesmo que você tenha carinho por essa pessoa, se mostrar AUSENTE é uma prova de amor.

Tem ainda aquela presença ausente. Ah! Eu amo esse tipo de presença! Eu e minha irmã, Sarah, costumamos fazer isso juntas. Ela foi minha acompanhante no hospital quando Leo ia para casa ficar com os meninos. Estávamos lá, naquele quarto de hospital, juntas. Ela, dando gargalhada assistindo aos seriados dela, e eu, lendo ou escrevendo alguma coisa, no Instagram ou respondendo mensagens de apoio. De repente, nós duas parávamos e começávamos a “viajar” juntas. Seja por algo que lembramos, alguma inquietação ou por alguma reflexão que surgiu do nada. Mas, para nós, é simplesmente uma delícia. Estamos ali, pintando aquarela, com os pequenos gritando/brincando ao redor, mas conseguimos ficar juntas e em silêncio.

Nas relações tóxicas, apesar de ser muito difícil devido à dependência emocional, a distância daquela(e) que te gera desconforto (para falar de uma forma mais amena) é fundamental para o início do processo de individuação e restabelecimento do equilíbrio (dinâmico) interno, isto é, da sua saúde mental. Não precisa ser uma relação amorosa do tipo erótica, pode ser uma relação entre pais e filhos, por exemplo. Muitos pais acreditam que amar é estar presente o tempo todo, para tudo que o filho(a) precisa. Como diz a Bia, aquele que é cuidado em excesso acaba, por algum motivo, acreditando ser incapaz de cuidar de si mesmo. Então, precisam se afastar para assim provarem a si mesmos que são capazes, sim.

Nessa tarde, meu marido levou os meninos ao parquinho. Ele disse: “Vamos, galera! Bora dar um tempinho pra mamãe, pra ela ler ou escrever, fazer o que ela quiser. Bora! Bora!”. Ele havia passado o dia trabalhando (on-line) e eu passei o dia voltada para as crianças. Para mim, isso foi uma linda declaração de amor. Algumas pessoas, como eu, gostam e precisam ficar um pouco sozinhas. Para organizar suas ideias, seus sentimentos, para ler, para escrever, para tomar um banho mais demorado, para olhar para o teto que seja. Se colocar ausente, vez ou outra, é um lindo presente.

E pode ser também uma belíssima demonstração de humildade. Nosso ego fica do tamanhozinho que ele deve ficar. Assumimos o papel que nos compete. E só! Não estou falando de deixarmos de nutrir nossas relações, não é isso! De forma alguma. Mas existe um limite. Assim como quando aguamos uma plantinha, se colocarmos água demais ela pode morrer, mas, na quantidade certa, ela floresce belamente.

Sobre a pergunta da minha prima, a minha resposta foi: “Tu já pensou em falar NADA? Apenas ouvi-la e perguntar como ela está se sentindo? Escuta o que ELA tem a dizer! Pronto! Já é um excelente começo.” Porque, pessoal, quando alguém está em sofrimento ou mais fragilizado, ter empatia, se esforçar para perceber o limite do outro, é fundamental e suficiente. Isso é importante para que todos nós nos sintamos validados socialmente. Então, perceber que nem sempre somos NÓS o foco, hoje em dia, é uma habilidade que precisamos exercitar. Não é fácil, mas é urgente!

Autora: Caroline Vieira

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